Cientistas criam embriões híbridos de humanos e porcos
Ontem, dia 26/01/2017, cientistas anunciaram a criação do primeiro embrião híbrido, também conhecido como quimera, entre um porco e um humano em um artigo publicado na revista Cell. Entretanto, muito precisa ser discutido sobre o assunto. Venha com a gente entender o motivo, o procedimento e discutir sobre as questões éticas de tais experimentos.
O motivo
A ideia de se gerar estas quimeras vem de um grande problema enfrentado atualmente. Em 2015, só no Brasil 2.300 pessoas morrem à espera de um transplante de órgão e há mais de 30.000 pessoas na lista de espera. Então, imagina se fosse possível criar um órgão humano, com suas próprias células, dentro de um animal ao invés de ter que esperar alguém estar disposto a doar o próprio órgão? Isto seria capaz de salvar milhões de vidas.
Foi exatamente isto que estes pesquisadores fizeram... ou quase.
Os pesquisadores estimam que uma a cada 100.000 células do embrião da quimera eram humanas (lembrando que no corpo humano existem aproximadamente 100 trilhões de células), ou seja, se o porco tiver o mesmo número de células que o humano, esta quimera teria aproximadamente 100 milhões de células humanas. Estas células estavam espalhadas por todos os órgãos da quimera, representado uma pequena porcentagem das células de cada órgão. A ideia dos autores é de que, no futuro, eles consigam direcionar o desenvolvimento da quimera para que um de seus órgãos contenha 100% de células da espécie humana.
Questões éticas
Vocês já ouviram a frase “não é só porque podemos fazer algo que devemos faze-lo”? Pois bem, pesquisas como estas são cercadas de polêmicas e precisam ser tratadas com muita cautela quanto as questões éticas a seu respeito.
Para algumas pessoas isto pode ser uma coisa horrível de se fazer, um desrespeito a vida e ao próprio animal. Já para outras, não há diferenças entre a criação destas quimeras e entre criar animais em condições precárias apenas para mata-los e nós podermos comê-los. Para outros ainda, pode ser a única diferença ente a vida e a morte. Como decidir então o que se fazer tendo em vista tamanha diversidade de opiniões sobre o que é certo e errado?
Esta técnica no futuro poderá ser capaz de salvar incontáveis vidas, mas com o avançar da ciência pode trazer inúmeros problemas se não for estabelecido agora até onde se pode chegar. Estas quimeras ainda possuem muito mais características de porco do que de humano (no qual contribuem apenas com algumas células) e a ideia é que se produzam apenas um ou poucos órgãos humanos para poderem ser transplantados para pacientes com problemas. Mas e se um destes órgãos for um cérebro? E se uma destas quimeras, seja um porco, ou um boi, ou qualquer animal que seja, começar a pensar, ter consciência de si e inteligência equivalente à nossa? Mais além, e se as quimeras se invertessem, sendo humanoides com pequenas porções de um ou mais animais? Um humano com asas talvez? Ou super-soldados como o Capitão América? Parece que o Dr. Connors não estava tão louco assim quando decidiu misturar o DNA de lagarto com o de humano para reconstruir seu braço (em O Espetacular Homem-Aranha). O que a certo tempo atrás era considerado pura ficção científica cada vez mais vem se tornando realidade e se não pararmos para nos reunir e decidir agora até onde se pode e se deve chegar as coisas podem sair do controle.
Como a quimera foi feita?
As quimeras são organismos que possuem células de duas espécies diferentes. Existem duas maneiras de se produzir quimeras atualmente. A primeira delas é inserir um órgão de um indivíduo de uma espécie em uma outra (por exemplo, fazer um transplante de um fígado de um cavalo em uma vaca). Este é um procedimento de difícil sucesso, pois o sistema imune da espécie receptora tem altas probabilidades de rejeitar o órgão doado. A outra consiste em inserir uma célula-tronco de uma espécie, célula capaz de se transformar em qualquer tipo celular, em outra durante o estágio embrionário inicial de outra espécie e deixar ela se desenvolver junto com o embrião. Desta forma, o sistema imune não reconhecerá as células da outra espécie como estranhas.
Primeiramente, para entender melhor o procedimento e a complexidade da formação de quimeras os pesquisadores usaram ratos (Rattus norvegicus) e camundongos (Mus musculus). Assim, inseriram células tronco do rato em embriões de camundongo utilizando uma técnica muito famosa atualmente, chamada edição de genoma. Estes animais híbridos chegaram até a fase adulta, mostrando que este procedimento comporta a vida e a fisiologia do animal.
Embrião de uma quimera camundongo-rato. As células brilhando em vermelho são células de rato, enquanto o resto do embrião é composto por células de camundongo.
O que eles fizeram depois foi tentar criar uma quimera entre rato e porco, porém não obtiveram sucesso, provavelmente devido as grandes diferenças de período gestacional e tamanho do embrião. Entretanto, diferentemente deste caso, os porcos apresentam grandes similaridades com nós humanos.
Os pesquisadores então inseriram as células-tronco humanas nos embriões de porcos e deixaram eles desenvolverem até 4 semanas, para então sacrificá-los e analisar os resultados.